Linda e disponível. Doidinha também, como hoje em dia são essas meninas. Talvez porque, estimuladas, quando ainda crianças, pela erotização promovida pela tevê, sintam-se mulheres feitas aos dezoito, dezenove anos. Aí vêm para estágios nas empresas e começam a paquerar homens mais velhos, experientes e vividos. Como eu.
Morena, seios duros, pontudos, coxas polposas que a minissaia potencializa e exalta, apesar das meias grossas; boa altura, cabelos cheirando a capim-limão. Ela não precisa me dizer nada, basta sorrir. Seu sorriso diz tudo.
Não chegou a ser direta, comigo, mas deu todas as dicas. Ofereceu-se numa bandeja oriental, cruzando as pernas à minha frente, ajeitando-se na cadeira de forma a fazer tremer os seios; sempre sorrindo.
“Aqui, na nossa empresa”, eu comecei a cantá-la, do meu jeito enviesado, não fosse eu um diretor de pessoal, “temos muita preocupação com o assédio sexual. Não o permitimos, sob nenhuma hipótese. Você é uma jovem estagiária, muito bonita, insinuante, e se for vítima de alguma investida, por favor, não deixe de falar comigo…”
“De tudo o que você disse, doutor Cláudio, o que eu ouvi melhor foi ‘você é bonita, insinuante’, porque eu gosto muito do senhor, e também acho o senhor bonito.”
Filha da puta, pensei. Inteligente, vai superar o estágio. Deixou-me à vontade para ir direto ao ponto. Com todo o cuidado possível. Havíamos tido problemas na empresa com alguns relacionamentos. A câmara instalada cientificamente (ninguém conseguia detectá-la) nos dois elevadores do prédio flagrou um amasso de cinema entre a secretária da Engenharia e o gerente de Informática. Casados, os dois pilantras. Como faziam tudo aquilo em poucos segundos de viagem era coisa para figurar no livro dos recordes. Eu, excitadíssimo, via e revia aqueles filmes, infelizmente em preto e branco e de péssima definição. Flagramos também seu Spina, chefe da manutenção, a manusear intimamente o garoto Figueiredo, coitado, que se fingia de morto com medo de perder o emprego. Despedimos todos, discretamente, dando um tempo entre uma demissão e outra e alegando outros motivos. Menos o garoto, é claro. Uma vítima.
Então, eu precisaria tomar muito cuidado com a minha nova estagiária, que se chamava Alba, mas que atendia pelo sensual apelido de “Banã”. Para conquistá-la, teria de estar a sós com ela, em algum lugar que não a minha sala. Iraídes, minha assistente há séculos, começara a desconfiar do jeito da moça e, o que é pior, da minha atitude condescendente. Iraídes era fiel e ciumenta, além de desprovida de qualquer encanto pessoal.
“Cláudio, que estranho, essa menina vive entrando na sua sala…”
“Muito insegura, coitadinha.”
“Insegura sou eu que tenho quase cem quilos! Ela é muito gostosa e muito esperta, isso sim.”
“Calma, Iraídes… Sabe, talvez você tenha razão. Talvez eu dê muita trela a essa menina. Vou lhe confessar, Iraídes: ela lembra muito a Graça, minha sobrinha, que morreu na flor da idade…”
“Oh, meu Deus, não sabia! Pensei que os filhos do seu irmão fossem pequenos…”
“Pelo amor de Deus, não toque no assunto com ninguém. Era filha de um relacionamento da juventude. Ele a sustentava, ajudava a mãe da menina, também. Ficou arrasado.”
“Meu Deus!” Morreu de que, a pobrezinha?”
“De hepatite B.”
“Ai, que horror!”
“Pois é.”
Minha assistente era mais crédula do que gorda. Acreditava em qualquer mentira sentimental. Mas redobrei os cuidados. Até usei as desconfianças de Iraídes como uma forma de avançar no meu objetivo.
“Banã”, eu fui lhe dizendo, num dia em que Iraídes não estava por perto, “minha assistente anda de olho em nós dois; acha que conversamos muito…”
“Que bom que você me chamou de Banã!”
“Você pediu.”
“Ai, que bom! Sabe, ela sente ciúmes de você. É um horror a gente ter tanta afinidade e não poder conversar…”
“Mas a gente pode…”
“Onde, quando? Eu quero!”
A partir daí, ficou mais fácil ainda. Bolei uma viagem, em pleno inverno, ao apartamento da família, na praia. Precisava mesmo dar uma olhada numas infiltrações. Mas não daria chance de que nos vissem juntos. Pelo telefone interno, acertei tudo com ela. Eu chegaria uma hora antes, diria ao porteiro que a “moça da imobiliária” iria me procurar. Perfeito.
Uma hora foi o suficiente para que eu armasse o ninho nos colchões que deixávamos na praia. Levei spray antimofo, champanhe, caviar, salmão defumado. Sentia-me como uma criança.
Ela bateu na porta, pontualmente. Uma deusa. O sorriso me pareceu um pouco tímido, mas é natural: apesar de experiente, um encontro com o chefe em uma outra cidade, num ambiente desconhecido… ela, afinal, não era uma profissional. Apesar de estar um pouco frio, ela dispensou as meias e veio com uma daquelas minissaias devastadoras. Eu fui enfiando as mãos por baixo da sua blusa, ainda na porta. Ela me deteve:
“Não, não, querido. Calma. Calma.”
Teve essa atitude discreta, um tanto escapista, durante algum tempo. Aí eu precisei ir ao banheiro. Na volta, ela era uma outra pessoa, de baby doll transparente, os seios querendo saltar sobre mim, carinhosos. Poucas vezes na minha vida senti-me tão feliz e másculo.
Não posso descrever nossa aventura corporal. Não há palavras. O champanhe e as iguarias foram até esquecidas pela nossa fome de amor. Amei-a como jamais o fiz com qualquer outra mulher, e não conseguia acreditar como uma menina tão jovem dominasse certas técnicas do mais requintado erotismo.
Eu disse que não havia palavras para descrever a relação. Mas sobraram imagens.
A uma certa altura, bateram forte na porta. “É a lei!”, anunciaram, para o meu quase passamento. A minha amada enrolou-se numa toalha e abriu a porta. Entraram três sujeitos, um pouco mais velhos do que ela.
“Tudo certo”, ela disse para eles. “Vou tomar um banho”, completou, e dirigiu-se ao banheiro sem sequer olhar para mim.
Eu nu, no meio da sala, tentando achar minha cueca. “Nem pense em fazer nada, seu diretor”, disse um dos rapazes.
Eu havia sido filmado, em cores, com alta definição, de todos os ângulos possíveis. Na mais constrangedora delas, vi as minhas nádegas, alvacentas, subindo e descendo no close de uma das câmaras. A quadrilha me obrigou a assistir a todo o vídeo numa tevê portátil que ela mesmo trouxe. Banã, de cabelinho molhado, assistiu junto conosco a uma boa parte. Ninguém dizia uma palavra.
No final, eles deixaram claro o que devo fazer lá na empresa, sobretudo com a conta da folha de pessoal e com a escolha dos fornecedores. Um golpe científico, tecnológico. Tão genial que tenho todas as chances de escapar ileso da tramóia, sem que a empresa ou a polícia desconfiem. Mas, se imaginar delatá-los, a fita cairá nas mãos da minha esposa, além de ser enviada ao meu presidente e a um outro presidente, o da Adepe – Associação Nacional dos Diretores de Pessoal. Banã, estagiária competente, ficará mais um tempo na empresa, trabalhando com naturalidade, para que não haja quaisquer desconfianças.
Bem. Posso fazer como os japoneses e beber saquê envenenado. Jogar-me da minha janela e morrer sem glória no meio da marquise. Mas não vou fazer nada disso. Sei lá, fiquei meio insensível depois dos primeiros dias de horror.
Para falar a verdade, só não perdôo o momento em que Banã, logo depois de abrir a porta para seus cúmplices (qual deles dormirá com ela?), correu ao banheiro sem trocar sequer um olhar comigo. De piedade, de escárnio, mas um olhar, um que fosse! Como se tivesse pressa de remover a sujeira da minha paixão.
Do livro “Allegro” – Editora Terceiro Nome, São Paulo, 2003.
Impecáveis, terríveis, alguns mesmo como uma bofetada no leitor: estou zonzo com a feliz descoberta destes contos. Só observaria que, neste aqui senti uma certa tendência à punição inconsciente da luxúria, o sexo sendo punido de forma indireta.
Muito obrigado, Artur, assim eu escrevo mais… Olha, motivações inconscientes a gente nem discute, mas acredito que, às vezes, tenho a impressão de querer punir quem nos punia por causa de sexo (“Ah, os frágeis vitrais da nossa iniciação”; “A Velha Chama e A Negra Solidão”; e até “A traiçoeira víbora da juventude” seriam exemplos).