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Archive for the ‘Minicontos inéditos’ Category

ACORDO

Sulfite afinal respirou. Tudo pensado, pronto, administrado. A imagem futura dos companheiros presos ou mortos lhe passou pela cabeça, mas rápido. Fixava-se no futuro momento do flagra, quando ele fugiria, junto a outro qualquer que estivesse próximo à porta giratória. Chegou a ensaiar com os tiras a ação. Demóstenes, o chefe dos policiais, já dera provas de que cumpriria o acordo. Poderia tê-lo preso quando lhe invadiu a casa e pegou o croquis do plano de assalto. Mas preferiu conversar. “Se você for nosso”, propôs, “fica rico. Mas só quero você nessa operação. Minha equipe precisa de uma força, temos vacilado, ultimamente.” “Rico, quanto?” “Metade do que tiver lá. Mas temos de entrar e resolver. Se seus colegas revidarem, vão pro céu. Se não, cana. Você escapa. Depois, é por sua conta.” Demóstenes já havia feito outros acertos. Tinha fama de cumpridor. Sulfite pensou: três velhos companheiros condenados à morte. Nenhum deles valia nada. Qualquer um trairia o grupo em troca de qualquer garantia. Bucho, um escroto, entregou a mãe, traficante de crack;  Zé Quieto, doente, gostava de crianças; e o paranoico Mestre Zeca atirava sem perguntar.  Os três não fariam falta no mundo. Quando chegou o dia, invadiram a empresa, Sulfite logo procurou a porta giratória. Mas teve uma surpresa. “Quem vai ficar aí sou eu! Saí daí!”, gritou Zé Quieto. Por que ele queria aquela posição? Na confusão formada, o chefe Demóstenes mirou a cabeça de Sulfite, depois a dos outros. As paredes da empresa ficaram marcadas de pedacinhos de crânios esmigalhados. Os tiras estranharam: “Ê, chefe, não tinha um acordo?” “Tinha, mas todo mundo fechou com a gente, ficou difícil de escolher”, disse Demóstenes. O velho tira lamentou a morte de Sulfite, ladrão inteligente, começara desviando resmas de papel de uma repartição da prefeitura, e acabara juntando um milhão de dólares. Só que perdeu o rumo. Pena que tivesse morrido, tinha potencial para acabar com outras quadrilhas. Mas, paciência.

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